31 de maio de 2007

O SALTO - parte 2


Eu estava por cima.

O carro era meu. O dinheiro era meu. A miúda era minha.
Alguém vai a pé para casa - disparei.
Acertando na “mouche”, ei-lo a arrumar a trouxa e a fazer de conta que se metia ao caminho.
Trinta quilómetros separavam-no da doçura do lar. Era uma questão de sair cedo para, a um ritmo normal, demorar seis horas a chegar.
Voltar a casa passava por alguma submissão de quem o não queria fazer a pé. Como tal, até parecia que ao mínimo deslize qualquer um dos outros teria o mesmo destino.
Não era verdade, nem eu o faria nunca.
Demorámos ainda algum tempo a arrumar a tralha e ei-los que partem. Camacho, já ia longe.
O dia terminara muito antes do entardecer.
Alguns remorsos tilintavam-me os sentidos e guiava vagarosamente, olhando com atenção a velha estrada que nos traria de volta. Esperançava-me encontrá-lo e abrir-lhe a porta do Mini, para minimizar o sucedido.
Encontrámo-lo mais à frente, espreitando-nos pelo canto do olho, sem alterar o passo e simulando não ligar à nossa proximidade.
Parei a seu lado, convidei-o a entrar mas tal não quis. O aparente orgulho aguardava um deslize de piedade e fiz-lhe a vontade. Recusado que foi o meu convite, atirei-lhe então uma nota de vinte escudos, muito dinheiro na altura, dez cêntimos hoje, que fez menção de não apanhar.
Mal o horizonte nos engoliu, voltou atrás, regurgitou o orgulho, cuspiu alegria e curvou-se aos vinte escudos.
O regresso estava principescamente assegurado.
Já perto da Sintra, uma viatura Audi, matrícula alemã novinha em folha, faz uma manobra perigosa ao ultrapassar-me. Não dei muita importância ao facto. Mais à frente voltei a encontrá-la. Seguia tão lentamente que tive de a ultrapassar. Voltou a provocar-me, repetindo a manobra. E assim foi por mais duas ou três vezes.
Já na recta do Cacém, ultrapassa-me novamente e de repente, trava. O choque foi inevitável. A pouca experiência, aliada ao nervoso da inusitada situação não teve engenho para domar o Mini e evitar o pior
Do acidente, resultaram pequenos ferimentos no Xico e danos materiais elevados, naquela amostra de carro.
Pá-tá-ti, pá-tá-tá e a discussão com o casal de emigrantes do Audi ficou-se por ali, empurradas que foram as culpas para os meus ombros.
Felizmente que o Mini estava em condições de poder circular. Voltámos à estrada e pouco depois estava na Amadora, à porta do Chafariz, duzentos metros afastado de minha casa. Por ali fiquei perto de uma hora, indiferente às pessoas que me conheciam e ali passavam.
O Zuca morava no prédio ao lado do meu. Confessei-lhe a minha ideia se algo corresse mal e pediu para me acompanhar, se esse fosse o caso.
Zuca há muito que perdera o pai. A mãe, era uma santa mulher e não interferia na vida do filho.
Pensando em como iria tornear o problema, resolvi ir para casa e falar com o meu progenitor.
Estou a vê-lo ainda quando em casa entrei, sentado num pequeno banco, martelo na mão, tentando colocar novos saltos nuns sapatos,
Levantou a cabeça, fixou-me nos olhos e nada disse. Não imaginava sequer que eu tinha tido um acidente.
Preparando-o para o pior, alvitrei:
- Pai, vamos falar de homem para homem!
De homem para homem? – repete e questiona ele. Já vais ver o que é falar de homem para homem!
Levanta-se e de martelo em riste, dirige-se para mim em tom ameaçador. Ficou-se por ali, porque bati com a porta e escapei-me a tempo.
Desci as escadas do primeiro andar, já a delimitar as fronteiras do resto do mundo.
Alguns momentos depois voltei a casa. O pai, continuava a martelar o sapato. O filho, a martelar um sonho.
Tomei um banho e vesti-me de fato e gravata.
As minha irmãs não estavam. A minha mãe, adorava a Deus na missa das seis.
Olhei para trás. Despedi-me de mim e parti à procura de nada.

7 comentários:

Carla D'elvas disse...

a tua estoria dá para ficar a pensar...
é uma boa lição!
quim, está na hora de voltares ao magoito :)
vai ver aquele mar lindo e respirar aquele ar... e cuidado c os audis, principalmente, se forem conduzidos por mulheres ;)

Anónimo disse...

Os grandes navegadores devem a sua reputação aos temporais e tempestades.
(Epicuro)

Partindo na procura do nada encontrou tudo.. Aprendeu apanhar flores na berma, a tornear as veredas e até alimentar os sonhos que não sabia..
Conheceu e aprendeu os amigos...

Os saltos podem ter excelentes efeitos...

I.R.

Kim disse...

Voltarei brevemente ao Magoito, até porque estou ali ao lado.
As mulheres têm menos acidentes que os homens. Algo isso quererá dizer.

A citação do grande filósofo, apesar de ser anterior a Jesus Cristo, mantém uma inegável actualidade.

Beijinhos para vocês

P.S.

I.R. - Tenho alguma curiosidade em saber o resto das letras de I.

Carla D'elvas disse...

claro q as mulheres conduzem bem :)
o perigo, está nos olhos dos homens... q espreitam o conteúdo dos AUDIS!

kisso-te e feliz dia da CRIANÇA :)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.