Quando era adolescente, tirocinante de paquete, trabalhei dois anos num escritório de advogados, nas barbas do Chiado. Ali começou a travessia do passado que me levaria às esquinas do futuro, aquele que fez de mim um homem feliz. Nesse tempo a estátua de Fernando Pessoa, que é hoje um presque ex-libris dos poetas, não existia e as mulheres já eram todas bonitas.Daqui partiu a esperança que me fez descobrir terras nunca dantes navegadas, na estranja, ou onde o diabo o pão amassou.
Desde então, o Chiado faz renascer a fénix que há em mim.
Eu, que não sou muito virado a poesias, talvez inspirado por alguma musa, e agora em memória dum grande poeta amigo que partiu há pouco, reedito este poema que um dia me saíu da pena.
Pode o engenho e arte
No Chiado me descobrir
De mim lá ficou parte
Quem me fazia sorrir
Foram dias, foram tempos
Aqueles que não voltaram
Foram fortes, foram ventos
Aqueles que me guiaram
Por lá me quedei um dia
Quando na vida despertei
No despertar dessa via
Outra vida eu inventei
Inventei fugas e dores
Partidas e chegadas
Amores e desamores
Estórias tão contadas
Corri mundo sem nada
De tudo me despojei
Do muito eu fiz nada
Do despojo já não sei
Dormi noites, dormi dias
Noites que eu não dormi
Dos dias que eram vias
Das vias que percorri
Perdi-me depois no vento
Esqueci de quem eu era
Ao tempo eu dei alento
Ao alento dei a espera
E um dia regressei
Tão triste como parti
Ao mundo o olhar dei
À vida que já vivi
Pessoa, poeta que és
Quero-te a meu lado
Deixa chegar-te aos pés
Perdoa este meu fado
O poema é ridículo
E não é carta de amor
Se não fosse ridículo
Seria carta de dor
... e contá-las-ei (as estórias), "até que a voz me doa"!