30 de maio de 2007

O SALTO - parte 1

Zuca - Camacho - Quim - Xico Gago


- Pai, dentro de quinze dias, vou precisar que me empreste o carro!
Para que é que eu quero o carro? É que vou passar esse fim de semana a casa do Henedino, lá prós lados de Arganil.
Ele olha para mim em silêncio.
Insisto - Ó pai, vá lá, não seja assim. Tá bem, depois falamos melhor, fui dizendo eu, para a conversa não ficar no ar.
Pressupondo que era melhor não voltarmos a falar, se bem o pensei, melhor o fiz.

Vinte e um de Agosto de 1969 - Amadora.
A minha vida ia mudar nesse dia.
Peguei no carro e lá vou eu com o meu bando - Zuca, Camacho e Xico Gago.
Os planos tinham-se alterado. O Camacho, balzaquiano até às entranhas, convenceu-me a trocar o promissor fim de semana em Arganil, pelo Magoito e a substituir o anfitrião Henedino pelo hospedeiro Alberto.
Até calhava bem. A proximidade da praia do Magoito e a inexperiência da carta de condução adquirida uns dias antes, auguravam umas horas bem passadas, numa casa só para nós.
Nenhum dos meus amigos tinha carta de condução e, muito menos, carro. Todos dependiam de mim. Esse meio de transporte era, à época, uma espécie de libertação e afirmação.
Ter carro, era o clímax das noites só.
O meu velho pai, na altura mais novo do que eu sou agora, não fazia ideia que eu havia pegado no carro e sem mais delongas, meto-me à estrada.
Não fora o diabo tecê-las e negar-me esse prazer, não mais o interpelara sobre a odisseia de lhe usurpar a viatura. Achei que a decisão certa era nada lhe dizer e gozar o fim-de-semana planeado.
Como em todas as loucuras da juventude, também aqui havia um rabo de saias à mistura.
O Camacho, tinha uma paixoneta, nas escarpas da praia das Azenhas do Mar. A Isabel, miúda lindíssima, habitual veraneante, não estava tão apaixonada por ele, quanto ele por ela.
Isso deu logo azo a falarmos duma amorosa namoradinha que eu tinha tido, também ela amiga do Camacho e do Zuca, e também chamada Isabel. Camacho provocava-me então dizendo que agora a Isabel era dele. Eu adorava aquela miúda que nunca mais vi. Namorávamos ao som de Adamo e Roberto Carlos, com estes falando-nos de amor. Ainda hoje me lembro dela. Recordo ainda a sua irmã Mafalda de olhos azul celeste, a prima Virgínia e a velha avó que delas vigiava os namoricos mal contidos. Os seus pais nutriam por mim uma amizade especial e eu sentia-me desejado naquela casa. Meu velho amigo Miranda, querida D. Ana, que saudades tenho de vós! Alguns anos mais tarde ainda consegui descobri-los na sua terra natal, Vila Nova de Mui, no Minho e aí os abracei como se filho deles tivesse sido. Outro tempo, outra saudade!
Regressados à Isabel do Camacho e uma vez chegados à povoação de Azenhas do Mar, logo ali descobrimos a beldade. Camacho não me havia enganado, era linda!Havia anos que ele lhe arrastava a asa, sem no entanto conseguir voar.
Passados que foram as primeiras horas dos encantos da descoberta e de quem éramos nós, eis que, quase sem perceber como, me encontro a sós com ela dependurados na saliência duma rocha, olhando o mar e divagando sobre um “tas de choses”.
Quando já o sol já queimava, percebemos que a empatia era mútua.
O Camacho namorava com ela, mas ela não sabia.
Temendo o tempo fugir, trocámos tímidas carícias, mão na mão, olhos nos olhos. A paixão era rainha.
Aproximava-se a hora de almoço e tínhamos de regressar. Ela a casa, eu aos meus amigos. Ficámos por ali, com a promessa dum novo encontro. Breve.
Não muito longe, Camacho ruminava vingança. Planeara mesmo dar-nos um empurrãozinho para o abismo.
O frango assado fora uma boa escolha. O álcool jorrara um pouco mais.
Eu, sonhava. Zuca, esfumaçava. Xico, gaguejava. Camacho, enfadava.
Para digerir o repasto alguém sugeriu jogar-se uma cartada.
O dinheiro era escasso. As despesas dividiam-se e juntavam-se os trocos, como as migalhas em dia de fome.
Tal como no amor, também no jogo era o meu dia de sorte. Ganhei os poucos escudos que os bolsos vazios de todos albergavam por costume.
O ciúme estava no ar. A cartada no chão.
Ia saindo do jogo aquele que ia perdendo, até ficar apenas um.
Camacho foi o primeiro a sair. Colocou-se atrás de mim, acompanhando as cartas que me iam saindo e congeminando em surdina.
Pumba! Sem que percebesse como, enfiou-me um balde de alumínio cheio de água pela cabeça abaixo.
Fiquei com as cartas na mão como se nada tivesse acontecido, deixando escorrer a água que a minha farta cabeleira tinha absorvido. Palavras, nem uma.
A vingança serve-se fria, terá pensado ele.

5 comentários:

Anónimo disse...

E a Izabel?
Por onde andará nos dias de hoje?

Kim!
Renovo aqui a minha sugestão de escreveres um livro contando estas e tantas outras estorias.

Eu seria a primeira na fila do autografo.

SPUK

Anónimo disse...

A Isabel perdeu-se nas brumas da memória. Nunca mais a vi, nem nunca mais voltei ao Magoito. A aventura vai continuar.
O livro, é já isto. Um dia reuno tudo, acrescento algumas passagens menos importantes e está feito.
Faço o que sempre fiz. Deito os foguetes e apanho as canas.
Umm beijo para ti Sandra.

Carla D'elvas disse...

nunca mais voltaste ao magoito???
xiiiii... isso é um trauma!

Kim disse...

Não Carla, não é trauma. Não voltei lá mais porque não calhou e estou regularmente, não muito longe de lá(Praia das Maçãs).
Um beijo para ti também.

Anónimo disse...

KIM!

Você já deve ter percebido que as suas amigas são bastante curiosas, não?

SPUK