A Rua Pedro Franco parecia grande. O arco da mesma, enorme.
Zuca aguardava-me no fim desta, à porta da Sociedade Filarmónica.
Três mil escudos meus, mais mil dele, eram o pecúlio arrebanhado para a descoberta do novo mundo.
A pé, até Benfica. De eléctrico, até Sete Rios. De metro, até ao Rossio. A "butes", até Santa Apolónia.
Não falávamos muito porque quando eu o fazia, o Zuca não respondia.
Em pleno Rossio encontro o meu cunhado Taxú, que nos questiona:
- Éh pá, o que fazem vocês aqui às 8 horas da tarde?
- Vamos para França! - respondi eu.
- Para França? Olha, eu não te vi!
Julgando estar com alucinações, deu meia volta e partiu sem nada mais dizer.
Faltavam quase duas horas para o comboio da Beira Alta partir.
Descer a Rua Augusta naquela tarde quente de Agosto, sabia-me bem, apesar de pensar que era um caminho sem regresso.
Havia o problema do serviço militar que se aproximava. Havia a Pide. Havia a falta de dinheiro. Havia tanta coisa, que não havia.
Os parcos escudos que levávamos para uma aventura daquelas, davam-nos a garantia que o estômago iria acostumar-se a um novo regime.
Era como despejar o mar com uma cesta.
Santa Apolónia acolheu-nos. Comprámos os bilhetes para o Sabugal e pouca-terra, pouca-terra.
Ficámos junto à janela, olhando Lisboa a fugir. A noite ia ser longa.
Cansado de não falar, procurei o meu lugar, encostei a cabeça ao vidro e comecei a sonhar.
A noite foi passando entre o sonho e o pesadelo. Ainda não acreditava que estava a caminho do umbigo do mundo.
Chegámos ao Sabugal por volta das seis horas da manhã. Era preciso muita cautela. A Policia do Estado entrava no comboio sem se saber aonde e punha debaixo de olho aqueles que lhe pareciam poder querer sair do país.
Parecia complicado, mas não era. Eles sabiam da poda.
Não tínhamos passaporte e a única coisa que jogava a nosso favor, era não sermos portadores de qualquer mobília. Dois putos bem vestidos, altos, eu loiro ele moreno, ajudavam a não levantar suspeitas de emigração ilegal. Ninguém vai para lado nenhum, com nada debaixo dos braços.
Fizemos meia dúzia de perguntas e apanhámos uma camioneta para Aldeia do Bispo.
Ali chegados, sentíamos já o cheiro de Espanha. Mas era urgente sair dali.
No largo da aldeia, um velho beirão, sabendo ao que íamos, indicou-nos um homem que vendia melões, como sendo o bastão de apoio para atravessar a fronteira sem sermos descobertos, por caminhos e trilhos que bem conhecia.
Cheguei junto dele e perguntei-lhe:
- Bom dia amigo, nós somos estudantes, estamos de férias e gostávamos de passar para Espanha. Será que nos pode dar uma ajuda, indicando-nos qual o melhor caminho a seguir?
-Éh pá, vocês têm de ter cuidado com a Pide! Se vos apanham, estão lixados! Posso levar-vos ao lado de lá, o que demora, p’rá aí umas duas horas, mas agora não, porque tenho esta camioneta de melões para vender.
- Então e não pode ser mais cedo? – perguntei eu.
- Não, não pode porque só lá para o fim do dia é que devo ter a venda toda feita. Comecei a equacionar os prós e os contras de nos mantermos por ali a céu aberto. Dava nas vistas, dois desconhecidos rapazolas estarem ali a olhar p’ra ontem. Os espaços eram muito abertos e não havia mesmo nada para onde nos pudéssemos virar.
Zuca estava cansado de não falar.
Abeirei-me do homem e perguntei-lhe:
- Então, a que preço é que o senhor está a vender o melão?
- A dez tostões o quilo! - responde ele.
- Então e quantos quilos é que tem na camioneta?
- Mil e duzentos!
- Vamos fazer o seguinte; eu compro-lhe todos os melões e o senhor leva-nos ao lado de lá! Mas tem de ser agora - lembrava-o eu.
O homenzinho não era nada burro, porque não pensou muito para dar a resposta.
Levantou o boné com a mão esquerda, coçou a cabeça com a direita e fez de conta que fazia contas.
- Aceito! Pagam já e vamos a isso!
Comprei todos os melões e fiquei paupérrimo.
6 comentários:
Então ....
Foram os melões que te ajudaram a ir em frente.
Mas com um amigo tão falante as horas devem ter passado a passo de tartaruga. kakakakakaka
SPUK
compotas
geleias
sumos
e bolas de râgueby
foi este o destino que traçaste á tua avultada compra?
cá para mim, vendeste o amigo falante e ficaste com um ganda melão ;)
Terá sido coragem de homens?
Ou desassossego de jovens?
Talvez uma mistura...
Seja como for..
Admiro a coragem e entendo o desassossego.
Mas fiquei a pensar na inquietação dos Pais.
Isso merecia um correctivo.(Afinal eram miúdos).
Mas já passou e agora provoca sorrisos e saudades.
I.R.
ou
Isabel Ramos
Podia ter apanhado uma barrigada.
Ainda hoje gosto muito de melão, compotas e geleias.
Eu sabia, aquele I, tinha forma de Isabel, não de Ivone, Idalécia ou Isaura.
Correctivo, talvez não, mas é sempre preocupante para os pais. O problema era que, se sem saber que o carroestava escavacado, ia levando uma martelada, quando soubesse, levava uma marretada.
Um beijinho prás meninas fiéis
KIM!
Não acredito, que ainda gostas de melão!
Eu ficaria traumatizada.
E, como diz a Isabel, pelo que aprontastes, deves ser um pai bem tolerante, e um avo bem cumplice, para compensar "as dores de cabeça" que destes a teus pais.
SPUK
Bom fim de semana, abraço.
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