8 de junho de 2007

O SALTO - parte 8

Estipulámos pagar uma pequena quantia. Como? - Veríamos depois.
Estava na altura de dar notícias lá para casa e pedir alguns escudos. Assim o fiz. O Zuca não o podia fazer.
Todos os quartos/arrecadações, estavam ocupados. Uns, por estudantes, outros, por trabalhadores. Estes quartos eram conhecidos por “la chambre de bonne” – o quarto da criada. Na prática eram uma pousada do desenrasca.
No fundo do corredor havia um luxo comum a todos. Aquilo que eu julgava ser uma casa de banho, não passava duma latrina, dum chuveiro e duma torneira, remodelados na segunda guerra mundial.
No quarto, uma pequena mesa era o estatuto a que tínhamos direito.
Algumas roupas do Tó e um pequeno armário de plástico para guardar tudo, fizeram de nós homens abastados.
À nossa esquerda uma morena bem jeitosa e pouco falante, rivalizava à direita, com a desconfiança dum argelino mau-feitio. Para vizinhos, nada mau.

Estávamos entalados entre duas facções distintas. Numa, o glamour dum corpo lindo, noutra o receio dum bigode negro.
Não era permitido partilhar o exíguo espaço com amizades externas. A imaginação encarregar-se-ia de furar o sistema, muito esporadicamente.
Apesar de tudo tínhamos já aquilo que toda a gente anseia – uma casa.
Naquela noite eu e o Zuca falámos até tarde. Bem vistas as coisas não tínhamos horário para nada, por isso podíamos continuar a sonhar.
No dia seguinte tivemos uma surpresa. O Tó veio visitar-nos e vinha acompanhado pelo Zeca, seu primo, que morava a duas ruas dali. O Zeca, velho conhecido, da Rua Pedro Franco, ficou contente de nos ver, mas apreensivo quanto ao nosso futuro. Os tempos eram péssimos. A emigração estava no auge e as privações que nos esperavam foram logo ali anunciadas. Dois homens sós, sem parentes por perto, iriam ter algumas dificuldades em viver naquelas condições. Mas a indómita vontade de dar a volta por cima, estudar arte dramática e correr o mundo, superariam as contrariedades que iriam chegar.
Eu estava disposto a continuar. O Zuca tinha sempre na manga a possibilidade de ir para a Bélgica, onde a sua irmã já tinha vida organizada.
Naquele momento o que importava é que o Zeca estava ali e isso dava-nos algum alento.
Precisávamos agora de arranjar qualquer trabalho, coisa que o Zeca nos conseguiu. Havia uma vaga para fazer limpeza num edifício de escritórios. O pai do Zeca, pertencia a esse grupo de “ménage”. O Zuca ofereceu-se para ser ele a ocupar a vaga.
Na ilegalidade em que estávamos, aquele trabalho era uma dádiva do céu. Era até o trabalho mais limpo e menos duro que se podia desejar.
Quem me dera arranjar também um emprego assim – pensava eu.
Zuca começou a trabalhar. Entrava às dez da noite e saía às seis da manhã. Podíamos, finalmente dormir à vontade. Ele de dia, eu de noite.
A grande maioria dos portugueses vivia em bairros de lata, nos arredores de Paris. A promiscuidade e a miséria eram realidades irmanadas. Os portugueses, apesar de bons trabalhadores, eram marginalizados pela sociedade.
Não era de bom tom darmo-nos a conhecer como lusitanos. Sempre que o pudéssemos evitar, só ganharíamos com isso. Imbuídos neste espírito pelo Zeca, pelo Tó e pelos próprios pais, aceitámos o conselho e logo ali arranjámos nomes franceses para usar quando a necessidade o solicitasse. O Zeca, usava o nome de Martin (porque era Martins), O Tó, era Antoine. Quim e Zuca, não tinham tradução.
Passámos então a chamar-nos; eu - Alain, o Zuca – Julien.
Acabaríamos por nunca mais usar outros nomes, que não esses.
Sentia-me um renegado, mas era por uma boa causa. Confirmei cedo que o esquema funcionava, mas algumas vezes provocou situações caricatas.

4 comentários:

RS disse...

Um grande bem haja Mestre Alain.

Carla D'elvas disse...

vim ler-te e sentir a tua estória de madrugada... fikei sem palavras...
quando acordei, vim espreitar-te... mas, as palavras n apareceram!
continuo exactamente na mesma... sem palavras...
obrigada pela partilha.
fica um beijinho para o alain :)

Kim disse...

O Alain conseguia ser o homem das mil faces. Num dia, como o desta foto, parecia um bandido, no outro, como verão mais à frente, parecia um menino de coro.
Estou a sentir-me rejuvenecer ao relembrar um passado bastante feliz.
Mais uma vez um beijinho para as meninas, aqui sempre presentes, e um grande abraço para este amigo, Rui, e para os que vão aparecendo

Anónimo disse...

Aqui parece o "Clint Eastwood" da Porcalhota.. :) Faz-me lembrar o Bom, o Mau e o Vilão.. ou melhor.. O Malandro, acho que se aplica melhor... :):) Bom Fim de Semana