13 de junho de 2007

O SALTO - parte 10

O Tó, iludido por um concubinato desenfreado e a viver em parte desconhecida, afastara-se de nós. Nunca mais o voltaríamos a ver. Martin era visita assídua. Cinco minutos a pé, bastavam para chegar até nós. Vivia esta aventura com se a si pertencesse.
Seus pais, porteiros do número 12 da Rue Juliette Lambert, convidavam-nos de vez em quando a degustar um misto de cozinha portuguesa afrancesada. Nas traseiras do nosso hotel, Rue de Tocqueville, ficava Chez Jean Bar. Era um café-bar com duas máquinas de “fliper” num canto e algumas mesas com assentos corridos, em formato de U. Também aqui eram passados muitos dos nossos momentos de lazer, ao som da canção mais ouvida na altura – Désormais – de Charles Aznavour, que momentos antes fora accionada na juke-box. Ali, alguém me avisou que mesmo em frente na Estação de Caminhos de Ferro estavam a admitir trabalhadores. Era por inscrição. Se bem o pensei melhor o fiz. Fui logo ali informado que me deveria apresentar dois depois, para ser submetido a um exame. Entre portugueses e espanhóis, éramos vinte. O exame passava por uma simples pequena prova escrita. Ninguém sabia patavina de francês. Só eu fiquei. Todos os outros foram reprovados. Resta acrescentar que o tipo de trabalho para o qual nos estávamos a candidatar, era para carregador de volumes e bagagens. 
Uma semana depois viria a ser impedido de continuar a trabalhar, pois não tinha apresentado qualquer documento que justificasse a minha legalização. Assim, voltei à vida de vadio, felizmente por pouco tempo. Preocupado com a minha legalização, combinei com Julien e fomos a Porte de la Chapelle dar início à burocracia que era preciso formalizar. 
Os dias iam passando e eu palmilhava as ruas de Paris em busca de trabalho. Até que bati na porta certa. Blanchisserie Simon, em Pont de Sévres, numa das saídas da cidade. Cerca de duzentas pessoas laboravam naquela lavandaria que se dedicava a um negócio que julgo, ainda hoje, não haver em Portugal. Lusitanos, seriam uma vintena. A empresa colocava todos os dias, conforme o acordado nos restaurantes e hotéis, todo o tipo de atoalhados necessários à laboração dos mesmos. Deixava novos e lavados e trazia velhos e sujos. Na prática era um aluguer avençado de equipamentos como, toalhas de rosto, toalhões de banho, roupões, lençóis, toalhas de mesa, guardanapos etc. O meu trabalho consistia em marcar todo esse equipamento com as iniciais da empresa - BS. Apenas isto e só isto. 
Este trabalho era feito com duas máquinas. Uma gravava, a outra fixava a quente a gravação. Eu era obrigado a gravar, diariamente, mil peças. Era senhor de mim mesmo. Não tinha chefe directo. Tinha vários e não tinha nenhum. O sector onde me encontrava era afastado da parte principal da empresa onde se concentravam a grande maioria dos trabalhadores, os da lavagem e da engomadoria. A minha pequena sala confinava com a grande sala de costura, onde cinquenta costureiras, lindas, feias e assim assim, produziam os atoalhados. Uma porta interior, que eu fechava quando queria, era o elo de ligação entre nós. Foi épico! Tornei-me um pequeno guerreiro. Dezoito anos de gente, tenrinho e cercado por amazonas vorazes. Um pesadelo!

7 comentários:

Carla D'elvas disse...

PESADELO?!
... huuummmmmmmm ;)
agora diz que é pesadelo, alain!

Kim disse...

Pesadelo sim, minha querida.
Lembra-te que eu andava sempre mal alimentado e cá fora já tinha alguma dificuldade em dar conta do recado. Portanto, lá dentro era um pesadelo, porque não podia fugir.
O que eu precisava mesmo, era uma alimentação razoável e uma noite bem dormida, o que nem sempre acontecia, pois dormia muitas vezes na rua.
Só por isso é que era um pesadelo.

Anónimo disse...

KIM!
Deve ser por isso que dais muito mais valor as pequenas "grandes" coisas de tua vida.

Imagino, a quantas passaste, mas também os teus pais a te imaginar mestas situações.

O importante é que você venceuuuuuuuuuu

SPUK

Anónimo disse...

Tens que escrever o resto da história,estou a gostar,podes fazer um filme.Beijos da Maria

Anónimo disse...

As dificuldades moldam-nos.
Lembram-me um pensamento que gosto muito.

"As dificuldades não esmagam um homem, fazem-no"

I.R.

Anónimo disse...

As dificuldades fazem um homem, Isa, mas também o fazem crescer, porque há homens que nunca cresceram. É uma questão de berço.
Olá Maria, tás viva!
Oi Sandra, um beijão.
Infelizmente não vou poder contar tudo.Há coisas que nunca se contam. As pessoas que passaram pela minha vida, mesmo aquelas que eu não gostava, não podem ficar à mercê da minha liberdade de escrita.
Só gosto de contar "estóris", onde sou o vilão ou o brincalhão. Não o herói.

Anónimo disse...

Certíssimo..
Sei bem o que fala

O berço,os valores, o trabalho, as dificuldades e os afectos ajudam a fazer um homem válido.

Aprecio a humildade.
Sem humildade, não se consegue obter sabedoria.

Contudo, somos sempre "heróis da nossa própria estória".

I.R.