1 de junho de 2007

O SALTO - parte 3

A Rua Pedro Franco parecia grande. O arco da mesma, enorme.
Zuca aguardava-me no fim desta, à porta da Sociedade Filarmónica.
Três mil escudos meus, mais mil dele, eram o pecúlio arrebanhado para a descoberta do novo mundo.
A pé, até Benfica. De eléctrico, até Sete Rios. De metro, até ao Rossio. A "butes", até Santa Apolónia.
Não falávamos muito porque quando eu o fazia, o Zuca não respondia.
Em pleno Rossio encontro o meu cunhado Taxú, que nos questiona:
- Éh pá, o que fazem vocês aqui às 8 horas da tarde?
- Vamos para França! - respondi eu.
- Para França? Olha, eu não te vi!
Julgando estar com alucinações, deu meia volta e partiu sem nada mais dizer.
Faltavam quase duas horas para o comboio da Beira Alta partir.
Descer a Rua Augusta naquela tarde quente de Agosto, sabia-me bem, apesar de pensar que era um caminho sem regresso.
Havia o problema do serviço militar que se aproximava. Havia a Pide. Havia a falta de dinheiro. Havia tanta coisa, que não havia.
Os parcos escudos que levávamos para uma aventura daquelas, davam-nos a garantia que o estômago iria acostumar-se a um novo regime.

Era como despejar o mar com uma cesta.
Santa Apolónia acolheu-nos. Comprámos os bilhetes para o Sabugal e pouca-terra, pouca-terra.
Ficámos junto à janela, olhando Lisboa a fugir. A noite ia ser longa.
Cansado de não falar, procurei o meu lugar, encostei a cabeça ao vidro e comecei a sonhar.
A noite foi passando entre o sonho e o pesadelo. Ainda não acreditava que estava a caminho do umbigo do mundo.
Chegámos ao Sabugal por volta das seis horas da manhã. Era preciso muita cautela. A Policia do Estado entrava no comboio sem se saber aonde e punha debaixo de olho aqueles que lhe pareciam poder querer sair do país.
Parecia complicado, mas não era. Eles sabiam da poda.
Não tínhamos passaporte e a única coisa que jogava a nosso favor, era não sermos portadores de qualquer mobília. Dois putos bem vestidos, altos, eu loiro ele moreno, ajudavam a não levantar suspeitas de emigração ilegal. Ninguém vai para lado nenhum, com nada debaixo dos braços.
Fizemos meia dúzia de perguntas e apanhámos uma camioneta para Aldeia do Bispo.
Ali chegados, sentíamos já o cheiro de Espanha. Mas era urgente sair dali.
No largo da aldeia, um velho beirão, sabendo ao que íamos, indicou-nos um homem que vendia melões, como sendo o bastão de apoio para atravessar a fronteira sem sermos descobertos, por caminhos e trilhos que bem conhecia.
Cheguei junto dele e perguntei-lhe:
- Bom dia amigo, nós somos estudantes, estamos de férias e gostávamos de passar para Espanha. Será que nos pode dar uma ajuda, indicando-nos qual o melhor caminho a seguir?
-Éh pá, vocês têm de ter cuidado com a Pide! Se vos apanham, estão lixados! Posso levar-vos ao lado de lá, o que demora, p’rá aí umas duas horas, mas agora não, porque tenho esta camioneta de melões para vender.
- Então e não pode ser mais cedo? – perguntei eu.
- Não, não pode porque só lá para o fim do dia é que devo ter a venda toda feita. Comecei a equacionar os prós e os contras de nos mantermos por ali a céu aberto. Dava nas vistas, dois desconhecidos rapazolas estarem ali a olhar p’ra ontem. Os espaços eram muito abertos e não havia mesmo nada para onde nos pudéssemos virar.
Zuca estava cansado de não falar.
Abeirei-me do homem e perguntei-lhe:

- Então, a que preço é que o senhor está a vender o melão?
- A dez tostões o quilo!
- responde ele.
- Então e quantos quilos é que tem na camioneta?
- Mil e duzentos!
- Vamos fazer o seguinte; eu compro-lhe todos os melões e o senhor leva-nos ao lado de lá! Mas tem de ser agora -
lembrava-o eu.
O homenzinho não era nada burro, porque não pensou muito para dar a resposta.
Levantou o boné com a mão esquerda, coçou a cabeça com a direita e fez de conta que fazia contas.
- Aceito! Pagam já e vamos a isso!

Comprei todos os melões e fiquei paupérrimo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Então ....
Foram os melões que te ajudaram a ir em frente.

Mas com um amigo tão falante as horas devem ter passado a passo de tartaruga. kakakakakaka

SPUK

Carla D'elvas disse...

compotas
geleias
sumos
e bolas de râgueby
foi este o destino que traçaste á tua avultada compra?

cá para mim, vendeste o amigo falante e ficaste com um ganda melão ;)

Anónimo disse...

Terá sido coragem de homens?
Ou desassossego de jovens?
Talvez uma mistura...

Seja como for..
Admiro a coragem e entendo o desassossego.

Mas fiquei a pensar na inquietação dos Pais.
Isso merecia um correctivo.(Afinal eram miúdos).

Mas já passou e agora provoca sorrisos e saudades.

I.R.
ou
Isabel Ramos

Anónimo disse...

Podia ter apanhado uma barrigada.
Ainda hoje gosto muito de melão, compotas e geleias.
Eu sabia, aquele I, tinha forma de Isabel, não de Ivone, Idalécia ou Isaura.
Correctivo, talvez não, mas é sempre preocupante para os pais. O problema era que, se sem saber que o carroestava escavacado, ia levando uma martelada, quando soubesse, levava uma marretada.
Um beijinho prás meninas fiéis

Anónimo disse...

KIM!
Não acredito, que ainda gostas de melão!
Eu ficaria traumatizada.

E, como diz a Isabel, pelo que aprontastes, deves ser um pai bem tolerante, e um avo bem cumplice, para compensar "as dores de cabeça" que destes a teus pais.

SPUK

Anónimo disse...

Bom fim de semana, abraço.