6 de junho de 2007

O SALTO - parte 6


Eu - Zuca e Zeca (Martin)


Afinal não faltavam dez minutos para o comboio partir. Já havia partido.
Aquela Babel de gente, carris, cais e carruagens, era um mundo novo.
Vagueámos na descoberta. Olhámos tudo e não vimos nada.
Faltavam agora cinquenta minutos para a saída do próximo comboio. Havia outro entretanto, mas não acessível à nossa carteira.
Tinhamos agora um tempo para respirar o ar dos Pirinéus. Lembrei-me então que algures em Portugal, os meus pais estariam a imaginar onde me acoitava. Por uns momentos cedi. Valeria a pena aquela aventura?
A mãe do Zuca também era pessoa de poucas falas. O filho dissera-lhe que ia para a Bélgica, para casa da irmã que lá vivia. A velhota estava descansada.
Olhando os escaparates, armei-me em novo-rico e comprei um postal ilustrando San Sebastian, ali muito perto. Nele me confessei.
- Pai e mãe, estou muito longe, mas bem. Vou tentar dar um rumo à minha vida e esse rumo pode estar longe daí. Peço desculpa por ter saído sem nada vos ter dito. Neste momento estou em França. Quando for possível dar-vos-ei notícias. Um beijo enorme para os dois. Quim
Senti-me aliviado. O meu pecado estava confessado. Ficaria a aguardar pela absolvição.
Neste tempo de reflexão mudei de ideias e resolvi que viajaríamos de noite, para assim saborear a cama que não sabíamos quando voltaríamos a ter.
Por ali andámos à descoberta do mundo que desafiámos.
Estava na hora da partida e dirigimo-nos para a carruagem que já sabíamos ser a nossa.
Um luxo. Um verdadeiro luxo era aquela carruagem, muito moderna e limpa.
Sentei-me, respirei fundo, olhei em volta e tentei sentir os meus companheiros de compartimento. Não muito longe dali, umas filas mais à frente, duas lindas mulheres cavaqueavam e sorriam. Dei uma cotovelada ao Zuca e segredei-lhe:
- Tás a ver aquelas duas ali?
Zuca esfumaçava por tudo e por nada. Não engolia o fumo. Mastigava-o e soprava-o como um borrifo. Ainda hoje assim faz. Quando tinha de pensar, não o fazia sem puxar dum cigarro. Neste gesto de vai-vem, a mente organizava-se.
- Tou a ver tou, porquê?
- Acho que hoje é mesmo o nosso dia de sorte!
- eu via muitos filmes e a minha imaginação não passava dum carrocel de sonhos. Era o tempo em que o herói acabava sempre por convencer a donzela de engate fácil. Eu não era propriamente um engatatão barato, mas começava a sentir-me dono do mundo.
Na primeira oportunidade abeirei-me das beldades e meti conversa. O tema, não lembro mais. Lembro apenas que eram alemãs e tratava-se de mãe e filha. Quase me evitaram. Percebi que o desdém das duas me tinha feito descer à terra. Não estava a perceber. Nos filmes não era assim. O rapaz dizia uns piropos e algum tempo depois estavam enrolados em vale de lençóis. O que estava a acontecer comigo?
Desculpei-me a mim mesmo; há três dias que ando bem vestido mas com a mesma roupa. Se calhar cheiro mal! O problema não era esse. Era meu. Sentia-me já na Gomorra do pecado e esquecera-me dos justos.
Regressado à terra, esqueci o fracasso e tentei adormecer em francês.
O tempo que nos separava da Gare d’Austerlitz era igual ao da ânsia de chegar. Até lá fui remexendo nos parcos francos que ainda restavam e conjecturando a sua utilização.
Finalmente chegámos. A velha gare desiludiu-me. As gentes passavam por nós e não nos viam.
O dia acordou! Nós, adormecemos em incertezas!
Bonjour Paris!

4 comentários:

Anónimo disse...

Kim!
Fico a imaginar a aflição de teus pais.

Eles devem ser uns santos.

SPUK

Carla D'elvas disse...

comovi-me c o postal que escreveste aos teus pais...
imagino a dor deles... e as tuas saudades!
:)

Anónimo disse...

Ando a ler, ando a ler.
Nos intervalos das filmagens leio-te e descubro que todos os filmes ja foram inventados e vividos.
Obrigado pela "película" que é a tua vida e a tua imaginação.
jc/:)

Anónimo disse...

Há dias que temos certeza de tudo.
Acreditamos que a nossa força pode tanto e tanto...
E sabe!.. Pode mesmo...

Outros dias ficamos à espera, porque temos a certeza da incerteza...
E esses dias não são bons...

Por isso é melhor sorrir, acreditar e ter reflexos rápidos...

I.R.