15 de junho de 2007

O SALTO - parte 12


O hotel levava-nos todo o pecúlio. Por vezes, era preferível gastar a diária deste, numa noitada no Touquet. Havia sempre a hipótese de, correndo bem, ter onde dormir, sem pagar, correndo mal, ter-me divertido e sair directamente para a fábrica, onde laborava. 
A prioridade número um, era ter dinheiro para ir ao Touquet ou a qualquer outro do género. O investimento era garantido. Mais que ter um amor permanente, preocupava-me ter um amor diferente. O lema era, conhecer o máximo possível de amigas. E em cada amiga, havia uma possível amante. E em cada amante, um possível abrigo. Nas condições em que nos conhecíamos, era o mais natural acontecer. Quanto mais amigas tivesse, mais hipóteses tinha de não dormir na rua. Quando deambulava na Bastilha, batia à porta da Pauline. No Trocadero, procurava a Sophie. Na Rue de St Paul, suspirava pela Bogecvic. Olhava sempre em redor, tentando lembrar-me se ali habitava alguma das minhas benfeitoras. E quando me lembrava, quase sempre estavam ocupadas. 
Era um sonhador. Julgar que uma linda mulher, estivesse à espera que eu passasse por ali e lhe batesse à porta, era no mínimo uma infantilidade atroz.
O conhecimento travava-se na primeira música, normalmente dançada em slow. A mulher francesa era decidida. Quando queria, ia directa ao assunto e não havia rodeios, o ideal para mim, que não precisava de avanços inglórios. Os anos e o uso confirmaram-no. Julgo ser hoje ainda assim. É a mulher quem quer. O homem apenas deseja.
Sabia que as mulheres gostavam de homens atrevidos, mas eu nunca o seria. Não precisava, nem queria. Rara era a vez, que uma cara bonita me dizia não. Avançava quase sempre, com a certeza da anuência. Os olhos falavam e isso bastava. O jogo de sedução apoderara-se de mim. Abria os braços e pela forma como o seu corpo encaixava no meu, sabia onde me render.
Os vodka-orange eram bebidos em quantidades mínimas, quer porque os recursos eram parcos, quer porque os meus hábitos, a tanto não reclamavam. Isso mantinha-me sóbrio e saciava ilusões.
Finalmente com as finanças cada vez mais debilitadas, acabámos por arranjar outra mansarda. Mais umas águas-furtadas a rebentar a esquina da Avenue de la Grande Armée com o Boulevard Pereire. Um quartito com a mesma área do anterior, fazia agora de nós, emigrantes bem sucedidos.
O local era óptimo. A mil metros do Arco do Triunfo e a dois do Touquet, permitia-me ir até lá e ver em que paravam as modas. Não raras as vezes, encontrava o amor da noite anterior, enrolado nos braços doutro Alain qualquer. Habituara-me a isso. Ninguém era de ninguém. As minhas vestes eram agora mais jovens. Blusões e jeans alternavam com dois fatitos comprados em saldo, em La Samaritaine.
O pior era a lavagem da roupa. Ia à lavandaria do turco, lavar roupa branca e trazia roupa colorida. Era um nabo milagreiro. Misturava tudo. Uma desgraça! Tinha de poupar dinheiro e não ia fazer duas máquinas de roupa. De início não dei importância a isso, depois preocupei-me bastante. É que, despir-me à frente duma conquista, usando cuecas cor de rosa, não era lá muito abonatório para a tarefa que me propunha executar. Apesar de tudo lá continuei a ir, até ao dia que uma senhora, com idade de ser minha mãe, me ajudou em tão ingrata tarefa. Ela própria fez questão de dividir a minha roupa e meter mais moedas noutra máquina, apenas com roupas de cor e certamente com outro programa, já que mais moedas eu não tinha. 
Enquanto a máquina rodava, num vai-vem constante e a espera era a única certeza, o seu olhar rodava-me a cabeça, mais veloz que a centrifugação das roupas que começavam a escorrer. Por dentro, esvaía-me em incertezas, mas pouco fiz para não ceder. Depois, ali perto, num minúsculo apartamento que o tempo esqueceu, como um menino que a mãe leva pela mão,  tive de lhe pagar os soldos que a sua experiência exigiu. Um metro e oitenta e quatro de homem e setenta quilos de peso, transformou-se numa tocha de sexo, queimando-lhe o seu corpo mal amado.

4 comentários:

Anónimo disse...

kakakakak
Em que vc se meteu para ter uma roupa intima apresentável...

"juizo era pouco, pois muito fazia mal"

SPUK

Anónimo disse...

"A crónica de um bom malandro"
Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje...
E esta hem!!!

I.R.

Carla D'elvas disse...

isto é k era actividade ;)
muito bem. gostei!
fiquei encantada, com o teu bom coração ( q já sabia q tinhas!)... ajudar uma senhora é sempre muito bonito!
;)

Kim disse...

Olá minhas queridas!
Não sou nada um bom malandro! O Mário Zambujal é que era.
Acreditem que é muito complicado falar destas coisas.
Se fosse num livro relataria o que aconteceu a seguir. Aqui não posso fazê-lo. Pareceria que embandeirava um troféu.
Estou a passar por cima de muita coisa. A não ser assim, o blog assemelhar-se-ia a um manual da Kamasutra.
Respondendo à curiosidade da Spuk - a minha actividade principal é SEGUROS.
O meu filho Bruno é que está ligado às artes plásticas.
Beijinhos