Esta velha foto, onde me ladeiam, o Zeca à esquerda e o Zuca à direita, foi tirada na passagem de ano de 1969-70 e recorda-me que...
As ruelas, as pontes, as estações de metro e os grandes “boulevards”, guardam de nós recordações que não contam a ninguém. Casanova, também por ali andara.
Muito perto desta torre, com Eifel a zelar por mim, costumava eu deambular, umas vezes gastando a noite, outras buscando um novo amor.
Era vulgar aguardar ao relento, debaixo duma das pontes do Quai d’Orsay, que ali ao lado a porteira do lar de raparigas-estudantes viesse à rua despejar o lixo, o que acontecia por volta da meia noite.
No lar não era permitida a entrada ao sexo masculino. A única hipótese, era aguardar que a porteira fosse despejar o lixo, o que permitia esgueirar-me lá para dentro, nesse pequeno abandono da portaria.
Tanto podia entrar nessa noite, como aguardar quatro ou cinco.
Não raro acontecia, ser tão difícil sair como entrar e quando assim era, sobrevivia com sexo e yogurtes, pois também não era permitido ter comida nos quartos.
Debaixo da ponte dormia sempre uma velhota, da qual guardo ainda o olhar desconfiado, a quem sorrateiramente eu me juntava, anichando-me aos poucos nos castelos de papelão que a resguardavam do nevão do dia ou noite, maximizando assim o calor que os corpos emanavam.
Dormindo no leito da velhota, sem nunca com ela ter trocado um som, aguardei duas noites para entrar no reduto proibido do harém desejado.
Entrei finalmente no ninho de amor e saciadas que foram as carnes, adormeci sem não mais lembrar a minha sem-abrigo companheira.
Soube no dia seguinte, que a velhota estava morta há dois dias. Os mesmos em que me serviu de agasalho.
Lembrei-me depois, que naquelas duas noites tinha sentido mais frio.
Tinha 18 anos e acabara de dormir com a morte.
Debaixo da ponte dormia sempre uma velhota, da qual guardo ainda o olhar desconfiado, a quem sorrateiramente eu me juntava, anichando-me aos poucos nos castelos de papelão que a resguardavam do nevão do dia ou noite, maximizando assim o calor que os corpos emanavam.
Dormindo no leito da velhota, sem nunca com ela ter trocado um som, aguardei duas noites para entrar no reduto proibido do harém desejado.
Entrei finalmente no ninho de amor e saciadas que foram as carnes, adormeci sem não mais lembrar a minha sem-abrigo companheira.
Soube no dia seguinte, que a velhota estava morta há dois dias. Os mesmos em que me serviu de agasalho.
Lembrei-me depois, que naquelas duas noites tinha sentido mais frio.
Tinha 18 anos e acabara de dormir com a morte.
10 comentários:
li o teu texto, vezes sem conta...
mexeu e remexeu...
a procura desenfreada do amor ou do prazer... acho q tds passamos por esse caminho ;)
acabei por descobrir, q o importante é a qualidade e n a quantidade, mas n foi fácil!
tb dormi c a morte. a morte dos afectos.
a ausência dos afectos arrepia-me... mete-me medo...
um dia despachei a morte da minha cama e... deixei o SOL entrar!
..a ponte, a velha...
Boa, KIM, essa foi mesmo uma HISTÓRIA DO ARCO-DA-VELHA!
Sabes Carla, o texto está um pouco criptado, para não ser longo e pode parecer o que não é.
Efectivamente eu tinha uma namorada no lar e só lá podia entrar com muita habilidade. Para isso tinha de aguardar cá fora. Com tinha a velha ali ao lado, sempre deitada numa montanha de cartões eu apoveitava essa cama e entrava no seu espaço. Apenas isso. Umas vezes demorava-me lá pouco tempo, outras, acabava por lá dormir, pois a rua também fez, a espaços, parte da minha cavalgada parisiense.
O amor, só acontecia no lar. Cá fora, era apenas abandono.
Como eu não falava com a velha e ela estava sempre na mesma posição, não podia adivinhar que estava morta.
Também eu, ao longo da vida tenho sempre deixado uma nesga para o SOL entrar.
Pois é Bicho. Se seobesses as "estórias" do arco da velha que eu tenho...
Esta "estória" é fantastica. Nunca me a tinhas contado meu velho.
É de filme.
... mas posta num filme todos iriam dizer que a ficção tem limites. A realidade é, de facto, a melhor de todas as ficções.
Abraço.
jc
eu, n pensei nd, kim ;)
li uma história, bonita, q mexeu cmg...
as tuas historias, falam sempre de afectos... provavelmente, é por isso q gosto de vir aqui ler-te :)
tb sou dependente de afectos.
apesar, de achar, sempre, o amor lindo e necessário... o q me encanta neste texto é a tua solidão nas noites geladas... partilhar calor humano c alguém q n conheçemos, n é fácil... só alguém c um coração grnd o consegue fazer :)
este texto faz-me pensar na solidão acompanhada... existem tantos homens e mulheres, q vivem rodeados de gente, mas, sozinhos ao mesmo tempo...
Olha JC, este foi o meu PURGATÓRIO.
E nessa altura tinha O CÉU COMO LIMITE.
Um abraço para ti, amigo
Bonsoir Kim et vous tous,
Désolée et je le dis avec humilité mais je ne comprends pas la lecture de votre belle langue. Simplement une envie de venir te saluer.
Je t'embrasse et je vous souhaite une très bonne soirée. Fait -il aussi beau chez vous que chez nous en France ?
A bientôt mon ami
Marie Christine
KIM!
Interessante e muito excitante esta tua passagem por Paris.
E a namorada onde anda?
Curiosa, não?
Spuk
Oi Spuk!
Esta namoradinha era uma que o meu egoísmo procurava quando não tinha mais nenhuma. Eu era muito esquisito e muito selectivo.
Só que, por vezes, o meu estatuto de "bon vivant" não funcionava e eu tinha de recorrer à chave suplente.
Quando deixei de viver em Paris, nunca mais a vi. Nem a ela nem a qualquer das outras. Oportunamente contarei outras "estórias" que me abriram os olhos.
Um beijo para ti
Ah,Kim, je connais ton grand amour pour Paris!!!
Bisous.Fait très chaud en Belgique pour le moment!
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