29 de março de 2007

O Padre



O vale da Serra da Gardunha, albergou o meu pequeno e enclausurado mundo no dealbar dos anos sessenta.
A austeridade e o recolhimento eram sinónimos presentes de cada dia. As manhãs, tardes e noites eram sempre iguais. O futuro adivinhava-se. Quase sempre errado.
Não havia amigos, apenas cúmplices. O frio, a disciplina, o estudo, a ausência da família e até o racionamento da alimentação, acabaram por ser importantes, no valor que vim a dar à vida.
Eu não nutria qualquer simpatia pelo silêncio do claustro e como tal, amiúde, tinha a recompensa merecida.
Dou agora comigo a pensar, naquele dia em que, numa aula de francês, o Padre Crespo, ao corrigir a redacção, dum qualquer “garçon”, murmurava hesitante, - grâces à Dieu, grâces à Dieu? … humm!!! Há uma expressão qualquer que substitui isto, mas … deixa cá ver!
Lembrando-se que estava a falar para ninguém, reconsiderou e disse: 
- Tenho esta expressão debaixo da língua e não me lembro. Soltou-se-me a língua e … : 
- Então cuspa, senhor padre! 
- Então cuspa??? Questiona ele.
Apressou o andar, galgou a distância entre nós, num ápice, inclinou-me o rosto, segurando-o com a mão esquerda e … então tome lá! Usando apenas dois dedos da mão direita, o indicador e o médio, vergastou-me a face, até ao limite do seu contentamento.
Quarenta anos depois, num reencontro que a carolice exigiu, os meninos da “manhã submersa” devoraram as memórias do tempo que ninguém esqueceu.
Albino, Raposo, Sequeira e tantos outros, mitigai-me a saudade!

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