2 de outubro de 2010

Perdoa-me pai!

Chegou o dia em que um velho homem, já doente e muito cansado, teve de partir para a montanha. Assim era hábito quando chegava a hora da despedida deste mundo.
O filho carregou alguns mantimentos para o velho se alimentar durante uns dias e também uma manta para este se abrigar da noite. Os lobos encarregar-se-iam do resto se entretanto o frio o não fizesse. Era assim o fim de todos os velhos.
Chegada a hora da despedida, o pai disse ao filho para rasgar a manta ao meio e levar uma metade. Curioso com tal pedido do pai, pergunta-lhe para que quer ele a metade que vai levar para casa. Consternado mas cheio de sabedoria, o velho diz ao filho que essa metade serviria para o dia em que também o filho do seu filho o levasse à montanha e o abandonasse para ali morrer.
Meditou o filho nas sábias palavras do pai e pegando-lhe no braço ajudou-o a descer a montanha.

Pai

Quando eu era miúdo ouvi, ou li, esta "estória" que nunca mais esqueci. Mal sabia eu que chegaria o dia em que também te levaria à montanha e ali te deixaria com meia dúzia de mantas.
Infelizmente não te posso pegar no braço e ajudar-te a descê-la. Nem os tempos são outrora, nem a vida se compadece e senti-me pequenino ver-te ali ficar, meio abandonado e só, sabendo que sentirias o volatilizar do meu cheiro por entre as paredes dum novo mundo.
A tua insanidade permite-te não perceber o que aconteceu, mas o teu olhar é de abandono e isso devora-me.
Começou uma nova etapa, quiçá, a do princípio do fim, mas estarei contigo até à consumação dos séculos, porque o coração não tem distâncias.

Como é dura esta certeza e tão mole a impotência! Que depressa venha esse diáfano manto de escuridão que a todos espera.
Às vezes, um homem é de ferro, mas o ferro também derrete!
Perdoa-me pai!

15 comentários:

Andre Moa disse...

Caro Kim,

Também eu fui embalado a ouvir essa história. Também eu estou a passar pela mesma mágoa que tu. É a vida. Por essas e por outras, é que o povo, do alto da sua sabedoria, sentencia: "filho és, pai serás; conforme fizeres, assim acharás". Bom corolário para o conto o velho, a montanha e a manta.
Abreijos
André Moa

Anónimo disse...

Voz da Saudade

Saudade é quando a alma chora
O vazio que em nós ficou
De tudo o que foi embora
E na vida nos tocou!...

É a voz das emoções
Que acorda o sentimento
Em rios de divagações
Que correm sempre em lamento.

É lembrança entristecida
Que nos dói profundamente
Dum alguém da nossa vida
Que partiu ou está ausente...

É dor no peito calada
E que a nossa alma invade
De memórias feitas de nada
Apenas... voz da saudade

Poema de Euclides Cavaco


Um abraço Kim
jrom

Laura disse...

Kim, querido Kim, como lamento e como nos custa ver quem tanto amamos a vegetar na imensidão! Tenho amigas e a minha cunhada com o mesmo problema, todas com as mães assim! Elas falam, elas contam como dói, como se sofre na impotência de nada se poder fazer. É uma doença que devia ser estudada até ao limite. De certeza que um dia a cura se encontrará, mas para já ficamos com a mágoa de não poder ajudar!

Um abraço, aquele nosso abraço tão apertado que te faça esquecer por momentos, a dor que mora na tua alma.

laura

Parisiense disse...

Não precisas pedir perdão, porque nada errado fizeste......apenas estás na impotência de fazer alguma coisa...e não por culpa tua.

Mas é dificil sentirmo-nos assim ....impotentes.

Aquele abraço bem apertadinho

Maria disse...

Amigo Kim
Calculo como deves estar. Vai vê-lo muitas vezes. Talvez pareça que te não vê, mas sente-te. A tua voz soará a algo conhecido. Em algum momento, talvez te reconheça.
Às vezes fazemos o que devemos, mas não ficamos certos disso. Ajudaste-o a subir a montanha, agora só tens de a subir mais vezes para o veres e, quem sabe ele te ver. Depois, é só esperar o fim dele e a dor sem nome de o perder. A vida é assim. Um dia seremos nós. Haja quem nos ajude a subir a montanha.
Beijo grande
Maria

Laura disse...

Quantas vezes
teremos de subir à montanha
carregando fardos de dor
levando na alma aflita
súplicas a Nosso senhor.

Quantas vezes
nos perguntamos
porque os caminhos são tão duros
e como dói ter de lá chegar.

Mas, tem calma amigo querido
que esta vida são dois dias
é apenas um pequeno atalho
Para cortar caminho
sem ter que gastar as forças
a escalar.

Beijinhos Kim, muitos, muitos.
laura

Je Vois La Vie en Vert disse...

Querido amigo Kim,

Como estou a perceber tão bem o que sofres porque estou a passar exactamente pela mesma - ou quase - situação. Só que os meus pais (com 90 e 92 anos) ainda conseguem raciocinar e entendem, em parte, que já não estão em casa. O que ainda não entenderam é que nunca mais vão voltar a viver na casa deles. Na próxima 6ª Feira, vou fazer 320kms para os levar a tomar um café e um bolo com a irmã (92 anos), irmão (87 anos) e cunhada (83 anos) da minha mãe na casa deles para matarem saudades, a conselho do médico. Estou estafada psicologicamente e fisicamente mas o que não faria para eles ?
São decisões terríveis que temos que tomar um dia na nossa vida mas que tomamos pelo bem deles porque já não conseguem ficar sozinhos em casa, mesmo se pensam que ainda são capazes de fazer tudo... mas é só na sua imaginação ou memória do passado porque o presente que presenciamos é bem diferente !
Muitos beijinhos de solidariedade, querido amigo Kim !
Verdinha

RS disse...

Todos nós temos problemas na vida e somos tentados,de uma forma egoísta, a pensar que são dos maiores do mundo. Depois, ouvimos estas descrições e "descemos à Terra".
Desta forma, sou obrigado a dizer (à excepção da situação da minha prima Lígia): Eu não tenho problemas!
Abraço Quim!

Anónimo disse...

Por vezes não sei o que dizer ou como o dizer.
Assim sendo não digo nada

Abraço-te

Isabel

Anónimo disse...

KIM, MEU AMIGO KIM
ATE HOJE TENS A ATITUDE DE "METRES" E NÃO TENS O PORQUE PEDIR PERDÃO.

O QUE TIVESTE DE FAZER É O CERTO O CORRETO E O MAIS IMPORTANTE, O MELHOR PARA TEU PAI.

FICAS TRANQUILO, SOSSEGA ESSE TÃO GRANE CORAÇÃO.

BEIJOS

SPUK

SEVE disse...

Kim

O teu foi o Pai mais doce que da nossa geração conheci.
Quando éramos miúdos jamais poderei esquecer a sua doçura, o carinho com que falava para todos nós, (geração da bola de trapos) até para nos repreender nós chegávamo-nos a ele em vez de nos afastarmos dele-é uma memória de infância- que tenho bem presente.

Anónimo disse...

Abraço

Pantas

Osvaldo disse...

Kim, querido amigo...

Acabei de chegar, portanto já tarde para responder tudo o que queria numa só mensagem. E digo já tarde, porque todos os outros teus amigos já responderam o que eu tinha vontade. Por isso e com a permissão de todos eles, faço minhas todas as palavras que aqui foram ditas.
Um abração, querido amigo.

da Ana e Osvaldo

Anónimo disse...

Se se cumprir o ditado (filho és pai serás; conforme fizeres...), vais ter toda a ternura do mundo a acompanhar-te, quando (daqui por muitos anos, certamente)também tu subires à montanha para a espera que te espera.

Um abraço

Júlio Santos

Teté disse...

Ah, Kim, infelizmente isso acontece a quase todos, porque é impossível conciliar trabalho e vida familiar com o tomar conta de pessoas de muita idade, que já não sabem tratar de si. Piora um pouco com essa doença, mas há outros casos semelhantes, também estou a viver algo parecido com os meus sogros.

Beijocas e ânimo, amigo!