Ele, era um já vivido quarentão. Eu, um miúdo acabado de entrar na vintena de anos.
Júlio Amaro era o homem feito. Kim, o homem por fazer.
As multifacetadas virtudes do Amaro permitiam-lhe, à vez, saltar duma pincelada de aguarela para o voo rasante do insólito. Amaro era mestre na arte da pintura, sábio no que reclamava da vida e mago aspirante a Houdini.
Atendendo a estes predicados, aqui vos deixo uma pequena “estória”.
Amaro tinha sido desafiado para trabalhar nas Editions Vaillant, em Paris, para desenhar aquelas “estórias aos quadradinhos” que fazem o deleite da criançada e não só.
Como eu conhecia razoavelmente bem Paris, acompanhei-o nessa aventura, de modo a minimizar os efeitos da língua e costumes, nos seus primeiros tempos na cidade luz.
Assim, um dia chegámos ao hotel algo cansados e enquanto Amaro ficou a esfumaçar no vaivém da largura do quarto, eu espojei-me ao comprido na cama que tinha mais à mão e depressa adormeci.
Amaro ficou a sorver cigarro após cigarro, rodopiando para trás e para a frente mergulhado em pensamentos mil. De repente, a luz do tecto apagou-se. Olhou para cima e cofiando a barba de dias ali fica especado a tentar entender o sucedido. Afasta-se um pouco e a luz acende-se. Estica a mão para o interruptor e a luz apaga-se. Amaro estava atónito. Não entendia. Ali ficou vários minutos gesticulando passes de mágica que ora iluminavam o quarto ora o escureciam.
Querendo partilhar tal bruxaria comigo, acorda-me e diz-me:
- Kim, vê bem este meu número de magia que nunca te fiz!
E esticando o braço para a lâmpada profere a palavra mágica: - Acende-te! E a luz acendeu-se. - Apaga-te! E a luz apagou-se. Repetiu, uma, duas, três, milhentas vezes.
Eu comecei a ficar aterrado com tamanhos truques do Demo e implorei-lhe:
- Amaro, não faças isso! Com essas coisas não se brinca! Estás a meter-me medo!
Ele sorria e continuava na dança do acende e apaga e quanto mais medo eu tinha mais ele se deleitava e vangloriava seus tamanhos poderes.
Assim ficámos algum tempo, até que … eu não podia mais.
Comecei a rir, rir, rir e rebolando na cama caí na carpete. Levantei o braço e mostrei-lhe o interruptor que segurava na mão. Era eu que apagava e acendia a luz, julgando ele que eu estava a dormir.
Meu Deus, acabara de humilhar o grande mágico.
Olhou-me com olhos de quem não existe, acendeu novo cigarro, vestiu o sobretudo coçado, levantou-lhe a gola e saiu murmurando guturais sons inatingíveis.
Lá fora, não chovia, não ventava!
Perdoa-me amigo!
11 comentários:
Do Norte, do Sul, de muito longe ou do firmamento...Onde estiver por certo será a sorrir e com saudades.
Meu Deus!! que bom os amigos, mesmo que longe...
Que bom me sabe a Primavera
Um abraço apertado
Isabel
Kim.
Já passei por umas cena dessas no Dentista. Das coisas mais caricatas. Basta ler no meu blog o conto "Dor de dentes" e fica com umas ideia...
Um abração dos grandes
Já conhecia esta magia, mas agora revisitada, é de uma ternura longa e suave.
Dois meninos brincam num quarto, talvez para afastar os medos, e quando o sonho e a magia é desfeita, um faz birra e o outro menino corre atrás do amigo para consular a sua dor e salvar a amizade.
O Amaro era o menino mais velho do nosso grupo.
xl
Passando para dar aquele abraço!!!
Un grande saluto!!!
Gi!!!
Procura bem mas ja contaste esta "estória" aqui no Blog!!! (?)
Conheço-a ao vivo e de a ler :)
Qual de nós é que está com a tal "amiga" chamada Dona Esclerose ahahahahahah...
Ai Ai
:)
jc/.
Kim:
Ri-me com a história. Comovi-me com a ternura que escorre da tua saudade. Custa perder amigos assim.
Eu sei bem o que isso é.
Beijinho petit Alain.
TENS RAZÃO. É SEMPRE BOM FALAR DE QUEM GOSTAMOS. PODES ESCREVER ESTA "ESTÓRIA" MAIS 10 VEZES. O NOSSO VELHO AMARO DEVE ESTAR A RIR, ACENDENDO E APAGANDO ESTRELINHAS DE MAGIA :)
ABRAÇO
JC/.
Obrigada pela sua visita e por ter entrado na brincadeira proposta :)
Seu Blog é interessante. Voltarei.
e...
além da brincadeira no Blog, traga consigo o Presente de Páscoa. É oferta :))
Beijinho
Malandro é o que tu és.......
Mas a vida é feita dessas recordações......e são elas que fazem com que não te esqueças dos amigos.....
A senhora com quem trabalhava em Paris também levou o meu filhote mais velho, na altura o garoto tinha uns 5 anitos a casa dela lanchar e mostrou-lhe o candeeiro que acendia e apagava conforme ela batia palmas....
Nem imaginas como o garoto vinha admirado com a magia e queria fazer o mesmo em casa.....ahahhahaah
Beijokitas
E o amigo perdou?
Estou cada vez mais convencida que os amigos que pretendo são aqueles que me preservarão a magia, a inocência e a ingenuidade que me resta. O mundo e a vida se encarregam do resto.
Teresa A.
Rapaz, meu safado do caraças, o pobre a julgar enganar-te e tu a fazer-te a dormir...mas depois ele pagou bem pla magia insuspeita, ehhhh, que lindo e que lindo mesmo..
Onde pára o nosso Jrom? ai, o rapaz descuida-se de nos visitar...
Beijinhos.
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