Do blog do meu filho Bruno, www.b-solonely.blogspot.com não resisti a transcrever o prosaico desarrincanço, que às vezes chega a todos.
O meu filho não é uma tragédia - é um espanto!
Quero morrer aqui. Numa noite de tempestade. De sete-ponto-três na escala de Richter, de preferência. Sem essa coisa dos filhos e dos netos em redor. Que mania vil e sem gosto. Enfiado num pijama de seda (que por enquanto me recuso usar), acabado de chegar da caravana de Veneza. É, os velhos têm mais frio.
…
…
Quero morrer aqui. Qual anacoreta dos luxos. Cenobita de fachada. Falso indouto. Vá, apressem-se a cunhar-me a lápide. E já agora que lá vêm tragam-me cartas d’Armenia para eu queimar que me apraz muito o aroma e abafa o cheiro a branco. É, os brancos cheiram a mortos.
….
Quero morrer aqui ao som do cravo razoavelmente temperado (pelo qual ando ultimamente apaixonado). De barba aparada e bigode proeminente, garrafa numa mão e charuto na outra, protegido por Teutates e Taranis de Lucano e a rir-me para Lug:
- Ah, ah, ah… para ti
Sou uma tragédia
...
….
Quero morrer aqui ao som do cravo razoavelmente temperado (pelo qual ando ultimamente apaixonado). De barba aparada e bigode proeminente, garrafa numa mão e charuto na outra, protegido por Teutates e Taranis de Lucano e a rir-me para Lug:
- Ah, ah, ah… para ti
Sou uma tragédia
...
Quero morrer aqui. Com a voz da diva grega a cantar-me Puccini ao ouvido
(eu para ela em surdina, entre dois goles com a voz arrastada e já sem fôlego a sussurrar-lhe aquilo que sempre lhe quis dizer); isso, aproximem-se:
- O teu namorado…
- Sim
- O Grego…
- Diz
- … era um parvo do caralho
(é. Os brutos não sabem falar)
E ouvir o bater do coração. O correr em direcção à porta, o fechar com estrondo e os soluços:
- Não vás para aí
(Aplausos)
Sim, vá, digam lá:
- És uma tragédia
- Eu sei
….
Quero morrer aqui. Ao som das suites para violoncelo de Bach. À meia-luz. Ao sabor de um vintage Trinidad. De fato e gravata. De sapatos por medida calçados. De echarpe e sobretudo de caxemira, de luvas e chapéu. Pronto para a noite de estreia. Pronto para o primeiro dia:
«O mio bambino caro…»
- Voltaste
….
Quero morrer aqui. Cabeça, tronco e membros. Morte completa. Olhos, ouvidos e boca voltados para o Böcklin aos pés da cama. Aquele da ilha dos mortos. O melhor que já vi. Vá, digam lá:
- És uma tragédia
- Eu sei
….
Quero morrer aqui. Cama de pé alto. Dossel acetinado. Em silêncio. Com o Auto da Barca do inferno à cabeceira. O tolo que me queria tornar, que esse não vai para onde eu vou:
“Welcome to hell, we buy, we sell”
- O senhor, por aqui
….
(eu para ela em surdina, entre dois goles com a voz arrastada e já sem fôlego a sussurrar-lhe aquilo que sempre lhe quis dizer); isso, aproximem-se:
- O teu namorado…
- Sim
- O Grego…
- Diz
- … era um parvo do caralho
(é. Os brutos não sabem falar)
E ouvir o bater do coração. O correr em direcção à porta, o fechar com estrondo e os soluços:
- Não vás para aí
(Aplausos)
Sim, vá, digam lá:
- És uma tragédia
- Eu sei
….
Quero morrer aqui. Ao som das suites para violoncelo de Bach. À meia-luz. Ao sabor de um vintage Trinidad. De fato e gravata. De sapatos por medida calçados. De echarpe e sobretudo de caxemira, de luvas e chapéu. Pronto para a noite de estreia. Pronto para o primeiro dia:
«O mio bambino caro…»
- Voltaste
….
Quero morrer aqui. Cabeça, tronco e membros. Morte completa. Olhos, ouvidos e boca voltados para o Böcklin aos pés da cama. Aquele da ilha dos mortos. O melhor que já vi. Vá, digam lá:
- És uma tragédia
- Eu sei
….
Quero morrer aqui. Cama de pé alto. Dossel acetinado. Em silêncio. Com o Auto da Barca do inferno à cabeceira. O tolo que me queria tornar, que esse não vai para onde eu vou:
“Welcome to hell, we buy, we sell”
- O senhor, por aqui
….
Quero morrer aqui. Nuzinho, ao léu. Pau-feito de caçador. Em riste. Piamente, de preferência. Sem crucifixo à cabeceira. Sem Santos nem ladainhas de altar. Sem rezas nem promessas. Sem píxide. Sem flores. Vá, digam lá:
- És uma tragédia
- É verdade
- És uma tragédia
- É verdade
….
Quero morrer aqui. De máscara nos genitais. Traços faciais distorcidos. Abstracto. Com Valium e Zoldipem. Qualquer ser pelo qual se tenha uma ideia abstracta só poderá existir de forma abstracta. Ha,ha…, tem graça:
- O quê
- És uma tragédia
- Pois sou
….
Quero morrer aqui, para que fique registado. Sem choro, sem lágrimas. Não é difícil de imaginar. Concentrem-se vós que cá ficais, para que nada passe em vão. E muita atenção à luz, muita atenção à cor, que nada mais vale na orgia dos sentidos que aquele da visão.
E para os outros, para aqueles que me quiserem seguir: evitem abrir a porta à minha direita, pois uma vez aberta:
«Lasciate ogni speranza, voi che entrate» *
E para os outros, para aqueles que me quiserem seguir: evitem abrir a porta à minha direita, pois uma vez aberta:
«Lasciate ogni speranza, voi che entrate» *
- Eu sei. Sim, sou uma tragédia
*Perdei toda a esperança, vós que entrais
do Pórtico do Inferno
in: A Divina Comédia; Dante Alighieri
*Perdei toda a esperança, vós que entrais
do Pórtico do Inferno
in: A Divina Comédia; Dante Alighieri
9 comentários:
Kim
Já tinha visto o blogue do Bruno. Li-o de um fôlego e, adorei.
O rapaz escreve mesmo bem! Está de tirar a respiração. Gosto de o ler.
Leio-o sempre. Escreve com garra e imaginação, com fantasia e franqueza, num modo muito próprio.
Tem a quem sair.
Parabéns e beijos para os dois.
Adoro a ária a que se refere:"mio bambino caro", sobretudo cantada pela Calas.
Maria
Querido Kim,
Seria uma tragédia se ele fosse embora porque seria a partida dum grande artista.
Tem um estilo (de escrita bem como de pintura) bem próprio e original.
Quem sai aos seus...
Beijinhos para ambos
Verdinha
Já tinha "listo" e "vi-o" como um filme do Stanley Kubrick, como se revisse o fantástico Barry Lyndon.
Depois disto, Confesso
QUERO MORRER AQUI
abraço
Kim; já tinha passado por lá e admiro por não ter comentários, mas ele quer assim.
É uma escrita que nem tento entender, é algo de maravilhosos, tem pés e cabeça, o rapaz promete, e que bom que a Neide esteve com ele e a Ana e disse que são um casal lindo, lindo, bem dispostos e que a mimaram tanto..Obrigada ao Bruno e a ti que és o pai dele.
laura
♪°º✿
˛♫ Olá, amigo!
Aiiii Kim!...
Que lúgubre!!!
Bom fim de semana!
Cheio de alegria e muita paz.
Beijinhos.
Brasil
º°✿
✿♥ ° ·.
˛✿♪
É Dante, trágico...cômico...Divino!
Quero viver aqui! Genial!
Abraços
Olá Kim, tu tens um filho que escreve
assim? Mas que bela, linda adorável tragédia...eu também quero morrer assim, mas no feminino e ao som do Andrea Bocelli o resto pode ser tudo igual...lindo meu amigo tenho que ir ver o blog desse grande homem. Adorei meu amigo e já agora deixo os meus parabéns ao pai e a esse bendito filho. Beijos aos dois com muito carinho
Lindo...
Isabel
Enviar um comentário