Passo a transcrever um texto do jornalista Fernando da Costa.
Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si. TempoLivre OUT 2008
O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber. Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira. O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor. Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros. Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro. Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados. As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social. Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!» O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta, de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos. “A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das utopias de outrora”. Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros. “Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”. O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética. Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.
Às vezes - a gente engana-se!
16 comentários:
E não é que os "burros" os desonestos se riram dele!...
Em plena efervescência pós 25/4 foi escamoteado, roubado e sem lá que mais, com a presença de copcom, de metralhadoras e tudo. Isto para me roubarem 1.000 metros de terreno, comprado com escritura e registado na respectiva conservatória. Só porque, tendo aquele pinheiros mansos era um bom local para acampar, junto à Lagoa de Albufeira.
Ao então Presidente da Republica "General Ramalho Eanes" reclamei.
Pois para meu espanto, dado a situação conturbada da época, o homem respondeu-me e consegui reaver tudo.
Kim, estas não sabias tu...
O meu forte abraço
Não me surpreende a sua decisão !
Conheço-o pessoalmente há anos e sei como é uma pessoa integre. A sua postura, que pode confundir as pessoas, sempre foi dele e só convivendo com ele é que se descobre como tem humor.
Todas as prendas que recebeu, até pessoais, como Presidente da República, deixou-as na Presidência e nunca exigiu, como um certo ex-presidente, em Nafarro entre outros, ter guardas a vigiar as suas várias casas mesmo quando não estava presente nelas...
A esposa do general Ramalho Eanes, Dra Manuela Eanes, é uma pessoa muito diferente dele, muito simpática, que continua a trabalhar muito para as causas sociais e me corrige cada vez que a chamo "Dra" porque quer que eu a chame Manuela.
Pois é, caro amigo Kim, o aspecto ou postura das pessoas, às vezes engana... ;)
Beijinhos
Verdinha
Sempre o consifderei uma pessoa recta....e pelos vistos não me enganei.
Vai perguntar ao que lhe seguiu de quantas reformas ele vive????
Talvez por isso é que este Homem não anda sempre nas luzes da ribalta....porque homens de bem não precisam disso.
No meio de tanta desgraça gostei de ler algo possitivo.
Bisous mon ange.
Já conhecia o episódio mas, agora ao relembrá-lo, não posso deixar de pensar nas pessoas bem formadas, em contraste com os trastes que agora (não é só de agora, em boa verdade) proliferam na política. Temos muitos, muitos, homenzinhos e poucos Homens.
Não gosto muito do Ramalho Eanes. Com justiça devo reconhecer-lhe duas grandes qualidades: honestidade e frontalidade, coisas estas que quase desapareceram deste país.
Gostei do post.
Beijo
Maria
Tenho tendência a não simpatizar com pessoas sisudas, mas também votei nele nas duas eleições. A bem dizer não precisamos de políticos simpáticos, mas sim de homens honestos que nos representem condignamente.
Ainda tenho atravessada a história do Museu que ele abriu no Palácio de Belém, onde estavam todos os presentes que recebeu enquanto PR. Museu esse que Mário Soares fechou assim que chegou lá, pois considerava que essas dádivas de altos dignatários de outros países eram para si próprio...
Beijocas, Kim!
Não faz (e agora até me parece que nunca fez) da política uma profissão.
Parece-me um Português honesto e frontal.
Não tem nada a ver com estes malditos políticos neo-liberais que tomaram conta da nossa terra, os que nos governam e os que, a qualquer preço (indiferentemente dos PASSOS que for preciso dar), nos querem governar!
Os militares têm uma formação muito diferente e raros excepções, não fazem da política uma profissão, como escreve o Seve.
Será por isso que há poucos em altos cargos não militares e até nenhum no Conselho do Estado que reuniu ontem ?
Quando um militar diz "pela nação", pensa realmente o que diz, e um politico ? Não será primeiro "para mim" e depois "logo se vê" ????
Beijinhos, Kim
Verdinha
Olá Kim.
O General Ramalho Eanes é um homem decente e íntegro, sim senhor!
Ou não fosse ele um beirão de gema.
Imagina recusar um milhão e trezentos mil euros, que lhe pertenciam de direito.
Que grande lição de dignidade ele deu a esta cambada de aproveitadores e oportunistas.
"Não me posse rir que fique fei."
Deves lembrar-te desta frase que caracterizou o seu ar austero e sotaque beirão, lembras-te?
Parabéns Kim, homens destes merecem ser destacados e homenageados.
Beijinho
Janita
°º♫♫
Olá, amigo!
✿ܓܓ♫♫
Um homem como esse na política, em qualquer lugar do mundo, é exceção!
Bom fim de semana!
Beijinhos.
♫♫.•*¨*•♫♫¸
°•Brasil♥°
°°•✿♫°.•
Ora ai tá o que é bom para a tosse.
Tinha que haver um pelo nemos que se aproveitasse não??
Abraço e belo fim de semana.
è como diz o outro, a capa não mostra o livro.
Pois também não simpatizo com a personagem e julgo até haver no seu corriculum alguns "acidentes" menos recomendáveis, mas de qualquer forma acho uma pena que os média não façam 'manchetes' destas notícias como fazem de outras quando a moral da estória é inversa.
Eu acredito que se assim fosse a imagem dos políticos era diferente e Portugal um país mais feliz.
Pois também não simpatizo com a personagem e julgo até haver no seu corriculum alguns "acidentes" menos recomendáveis, mas de qualquer forma acho uma pena que os média não façam 'manchetes' destas notícias como fazem de outras quando a moral da estória é inversa.
Eu acredito que se assim fosse a imagem dos políticos era diferente e Portugal um país mais feliz.
Olha Kim, no meio de tanta desonestidade, só posso dizer...foi burro! Devia ter pegado no que por direito lhe pertencia, assim; mais roubaram os que puderam ou achas que o que ele recusou foi bem empregue?
Quando ele estava no Governo eu ainda vivia em Pretória, nem me lembro dele.
Um bom de Domingo.
laura
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