27 de março de 2021

A Páscoa do meu contentamento!

 E chegava a páscoa do meu contentamento!

Salivava já as papas de milho, as farófias, os biscoitos esquecidos, o bolo de azeite, as cherovias e a garrafinha de vinho do porto, qual obra de arte em vidro, que as mãos dum qualquer artesão moldaram na perfeição. Do folar, coisa que os padrinhos ofereciam aos afilhados, não falo, pois padrinhos eu não via e do dito não gostava. 

Naquele dia, toda a aldeia se engalanava com o fato de ver-a-deus e os sorrisos e abraços multiplicavam-se, como se as gentes há muito se não vissem.

- Santa Páscoa para si comadre!

- Santa páscoa para ti minha irmã!

- Dê-me a sua benção, meu avô!

Em tudo o que girava à volta da páscoa havia um misticismo divino, que os avoengos foram transmitindo ao longo dos séculos e que a tradição não beliscou, mas para mim, catraio, sempre atento às guloseimas que em casa dos mais abastados encontraria, era um verdadeiro festim. Ali encontrava um lauto acepipe de presunto, enchidos e queijos. Depois dos rebuçados e amêndoas, rijas que nem cornos, eram estas as minhas perdições, coisa que ainda se mantém, salvo os rebuçados que já não enxergo e as amêndoas que achocolatei.

Bastava ir atrás do senhor prior e dos seus acólitos que, embrenhados numa cansativa pequena procissão parava em todas as casas, que mais pareciam capelinhas, forradas com as melhores rendas e mais bonitas colchas.

Primeiro entrava o prior, logo seguido do séquito implícito no acto. Abençoava o lar e dava a beijar a cruz a todos os presentes no interior. Após esta formalidade, era o fartar vilanagem. Aquilo que os olhos comiam, a boca devorava, até que chegava a altura em que tanta fartura o olhar já rejeitava. Apesar de ser quase um sacrilégio, o padre não provar qualquer coisa, era impossível não obedecer ao que o estômago já rejeitava, o que deixava os humildes mais humildes.

Na minha aldeia não havia flores no chão para santificar os pés que as pisavam e era diminuto o cortejo, pois todas as pessoas se encontravam em suas casas, à espera da chegada da cruz, mas era apenas a minha aldeia, aquela que me pariu.

Ainda hoje, sempre que tal é possível, usufruo deste ritual, já com algumas diferenças das do meu tempo de menino, mas os petiscos são os mesmos. Felizmente!

Lá, nas entranhas da Beira, Atalaia/Zebras, meus amores, consigo rebuscar o que a memória já não retém!

Aleluia! 

1 comentário:

Luís Lucas Cachapa Vale disse...

Boa noite,

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