9 de julho de 2011

A carta - Mª José Nogueira Pinto

Nada tive contra, nem a favor desta senhora, desaparecida do mundo dos vivos há poucos dias. Dela apenas conhecia o seu mediatismo.

Fica-me este relato tão tranquilo, escrito poucas horas antes de morrer, de alguém que se despediu assim da política e da vida.
Que não me falte esta serenidade, na hora da partida.


(Publicado no Diário de Notícias de ontem 8 de Junho de 2011)
Acho que descobri a política - como amor da cidade e do seu bem - em casa. Nasci numa família com convicções políticas, com sentido do amor e do serviço de Deus e da Pátria. O meu Avô, Eduardo Pinto da Cunha, adolescente, foi combatente monárquico e depois emigrado, com a família, por causa disso. O meu Pai, Luís, era um patriota que adorava a África portuguesa e aí passava as férias a visitar os filiados do LAG. A minha Mãe, Maria José, lia-nos a mim e às minhas irmãs a Mensagem de Pessoa, quando eu tinha sete anos. A minha Tia e madrinha, a Tia Mimi, quando a guerra de África começou, ofereceu-se para acompanhar pelos sítios mais recônditos de Angola, em teco-tecos, os jornalistas estrangeiros. Aprendi, desde cedo, o dever de não ignorar o que via, ouvia e lia.
Aos dezassete anos, no primeiro ano da Faculdade, furei uma greve associativa. Fi-lo mais por rebeldia contra uma ordem imposta arbitrariamente (mesmo que alternativa) que por qualquer outra coisa. Foi por isso que conheci o Jaime e mudámos as nossas vidas, ficando sempre juntos. Fizemos desde então uma família, com os nossos filhos - o Eduardo, a Catarina, a Teresinha - e com os filhos deles. Há quase quarenta anos.
Procurei, procurámos, sempre viver de acordo com os princípios que tinham a ver com valores ditos tradicionais - Deus e a Pátria -, mas também com a justiça e com a solidariedade em que sempre acreditei e acredito. Tenho tentado deles dar testemunho na vida política e no serviço público. Sem transigências, sem abdicações, sem meter no bolso ideias e convicções.
Convicções que partem de uma fé profunda no amor de Cristo, que sempre nos diz - como repetiu João Paulo II - "não tenhais medo". Graças a Deus nunca tive medo. Nem das fugas, nem dos exílios, nem da perseguição, nem da incerteza. Nem da vida, nem na morte. Suportei as rodas baixas da fortuna, partilhei a humilhação da diáspora dos portugueses de África, conheci o exílio no Brasil e em Espanha. Aprendi a levar a pátria na sola dos sapatos.
Como no salmo, o Senhor foi sempre o meu pastor e por isso nada me faltou -mesmo quando faltava tudo.


12 comentários:

Janita disse...

Olá Kim...
no blog dum outro amigo já comentei há um dia ou dois esta mesma carta.

Aqui e mediante a introdução que fazes, direi que a favor desta senhora haverá sempre a constatação da coerência do seu discurso político e do seu valor como ser humano.

Beijinhos KIM.

Anamaria do Val disse...

Janita, você disse tudo. Impressionou-me a coerência e a dignidade desta senhora. Linda carta, Kim, fez bem em publicar. Bjs e bom domingo

Sendyourlove disse...

... a serenidade, mas essencialmente a Fé!

Osvaldo disse...

Kim;

Que grande lição de humildade, serenidade, humanismo e Fé, nos deixou esta Grande Senhora na hora de continuar a sua caminhada eterna. Não quiz partir sem nos deixar uma mensagem de esperança. Feliz do País que teve como filha esta grande portuguesa.
Obrigado Dra. Maria José Nogueira Pinto.

Grande abraço Kim.
Osvaldo

Magia da Inês disse...

˚。ჱܓ
。°✿Olá,amigo!

Kim, obrigada pelas notícias do Zé do Cão. É que tenho o péssimo defeito de pensar que se alguém anda sumido é porque adoeceu.

A carta é comovente...

Bom domingo!
Boa semana!
♥✿•˚。
° 。✿♥ °° 。Beijinhos.
✿♥ °° 。Brasil

Anónimo disse...

Sem dúvida uma grande senhora.

Isabel

Teté disse...

Olha, Kim, para ser sincera, não simpatizava com a senhora. Mas claro, não desejo a morte a ninguém e compreendo perfeitamente o desgosto da família. Aliás, conheci o marido pessoalmente (foi meu professor) e com ele simpatizava bastante! Portanto, só me resta desejar que descanse em paz...

Beijocas para ti!

SEVE disse...

Foi efectivamente, na vida e na morte, uma mulher de Deus, Pátria e Família. Descanse em Paz são os meus votos.

Laura disse...

Uma senhora de grande porte moral... que veio de África ao memso tempo que eu e sempre admirei os seus escritos e a sua forma de estar na vida...

As almas de Luz juntam-se ao luzeiro já existente, nunca se vão de todo.

Um xiiii pa ti da dolce.

rosa-branca disse...

Olá Kim, já tinha lido essa carta mas li novamente, pois é de uma serenidade mesmo impressionante. Era realmente uma grande senhora e como ser humano excepcional. Beijos com carinho

Branca disse...

Olá Kim,

Passei para te dar um beijinho.
De Maria José Nogueira Pinto lamento a perda e admiro a serenidade, mas admiro mais a serenidade e a garra do nosso Moa e de outros que passam por mim. As pessoas não me dizem mais pelo mediatismo que têm, muitas têm histórias de vida semelhantes,de adversidades e lutas que não passam pelos jornais.

Lemento a perda, qualquer perda, doi-me mais a dos amigos e familiares, é evidente, que já partiram em situações idênticas.

Muita paz para todos, os que vão e os que ficam.

Beijinhos
Branca

Maria disse...

Mesmo com ideologias diferentes das minhas, admirava esta senhora. Fez-me impressão a sua morte prematura.
Beijo
Maria