- Bom dia Sr. Ribeiro!
Precisava tanto que me ajudasse a resolver um problema! E tenho muita urgência!
Era uma longeva senhora, muito para lá dos oitenta.
Olhei para a esquecida bengala, pensei no que o futuro me reserva e mergulhei no Mar Morto.
Momentos que já ninguém lembra e instantes que é bom recordar
- Bom dia Sr. Ribeiro!
Precisava tanto que me ajudasse a resolver um problema! E tenho muita urgência!
Era uma longeva senhora, muito para lá dos oitenta.
E chegava a páscoa do meu contentamento!
Salivava já as papas de milho, as farófias, os biscoitos esquecidos, o bolo de azeite, as cherovias e a garrafinha de vinho do porto, qual obra de arte em vidro, que as mãos dum qualquer artesão moldaram na perfeição. Do folar, coisa que os padrinhos ofereciam aos afilhados, não falo, pois padrinhos eu não via e do dito não gostava.
Naquele dia, toda a aldeia se engalanava com o fato de ver-a-deus e os sorrisos e abraços multiplicavam-se, como se as gentes há muito se não vissem.
- Santa Páscoa para si comadre!
- Santa páscoa para ti minha irmã!
- Dê-me a sua benção, meu avô!
Em tudo o que girava à volta da páscoa havia um misticismo divino, que os avoengos foram transmitindo ao longo dos séculos e que a tradição não beliscou, mas para mim, catraio, sempre atento às guloseimas que em casa dos mais abastados encontraria, era um verdadeiro festim. Ali encontrava um lauto acepipe de presunto, enchidos e queijos. Depois dos rebuçados e amêndoas, rijas que nem cornos, eram estas as minhas perdições, coisa que ainda se mantém, salvo os rebuçados que já não enxergo e as amêndoas que achocolatei.
Bastava ir atrás do senhor prior e dos seus acólitos que, embrenhados numa cansativa pequena procissão parava em todas as casas, que mais pareciam capelinhas, forradas com as melhores rendas e mais bonitas colchas.
Primeiro entrava o prior, logo seguido do séquito implícito no acto. Abençoava o lar e dava a beijar a cruz a todos os presentes no interior. Após esta formalidade, era o fartar vilanagem. Aquilo que os olhos comiam, a boca devorava, até que chegava a altura em que tanta fartura o olhar já rejeitava. Apesar de ser quase um sacrilégio, o padre não provar qualquer coisa, era impossível não obedecer ao que o estômago já rejeitava, o que deixava os humildes mais humildes.
Na minha aldeia não havia flores no chão para santificar os pés que as pisavam e era diminuto o cortejo, pois todas as pessoas se encontravam em suas casas, à espera da chegada da cruz, mas era apenas a minha aldeia, aquela que me pariu.
Ainda hoje, sempre que tal é possível, usufruo deste ritual, já com algumas diferenças das do meu tempo de menino, mas os petiscos são os mesmos. Felizmente!
Lá, nas entranhas da Beira, Atalaia/Zebras, meus amores, consigo rebuscar o que a memória já não retém!
Aleluia!
Recebi hoje, pelo correio, esta significativa prenda!
E aqui jazem os silêncios dos segredos que só eu sei.
As malas de cartão que transportavam as parcas roupas que a tença paterna suportava, nas idas e vindas do silêncio do claustro.
A bola eterna do meu contentamento, que esperava pontapear até à fase do cajado.
A telefonia, que à noite embalava o circulo da família com o romance do Tide, lá longe na beira, nos picos da serra onde os lobos sobrepunham os uivos à radionovela da desgraçadinha e ouvir alguém falar, dentro duma caixa onde não cabia uma criança, foi o meu primeiro deslumbramento.
Os livros, ai os livros, alguns mais velhos que eu, eternos companheiros das dúvidas que dissipo e das certezas que burilo.
As fotos que o olhar prolonga numa imortal memória que o tempo não extinguiu, as cartas de amor, laivos de pinga-amor, resquícios de Casanova.
Esta é uma esquina dum mundo onde me envolvo, quando a selva não me esmaga.
Aqui, sou ainda mais ditoso!
Parabéns ao melhor jogador do mundo e do século!
Obrigado, Cristiano Ronaldo, por esta maravilhosa recordação!
Fazia parte do espólio do fundador do IPO - Instituto Português de Oncologia. Prof. Francisco Soares Branco Gentil.
Ter-lhe-á sido oferecida em 1900, altura em que terminou o seu curso de medicina.
A mim, foi oferecida há cinquenta anos, pela sua neta, Helena Maria da Costa de Sousa Macedo Gentil Vaz da Silva, uma das primeiras e mais influentes jornalistas culturais portuguesas, acérrima opositora ao regime salazarista.
Mais tarde viria a ser madrinha de baptismo do meu filho mais velho.
Ou seja, a parte oval, era para colocar no descanso, a caneta de madeira com o aparo em metal.
À direita, o tinteiro com a tinta onde ia molhando o aparo.
À esquerda, o reservatório dum pó que se polvilhava em cima do que se tinha acabado de escrever, pois a tinta demorava a secar.
Ao centro, a campainha para chamar a enfermeira, ou a secretária.
A este grande médico, primeiro a combater esta terrível doença, com a criação do IPO, e primeiro a defender as regalias e direitos dos enfermeiros, a minha vénia a toda a classe que nos minimiza os queixumes, já que a vida nas suas mãos não está.
Deste tinteiro sairam sentenças e desenganos, mas também certezas de vidas que renasceram das cinzas.
Aqui ao lado, olho com carinho tão significativa relíquia, revendo a história das mãos por quem passou.
Obrigado, Helena Gentil Vaz da Silva!
Os querubins aguardam que, juntos toquemos o sininho!